Syd Field diz em seu
livro, Manual do Roteiro, que um filme tem apenas dez páginas, ou dez minutos,
para conquistar o público. Geralmente, levamos dez minutos para decidir se
gostamos ou não do filme que vamos assistir. Esse foi o caso de quando li o
roteiro de “Três anúncios para um crime” (Three billboards outside Ebbing,
Missoury). Em menos de dez páginas do roteiro eu sabia que iria amar a história
e torcer para ele no Oscar.
Com quatro globos de ouro
e sete indicações ao Oscar, incluindo de melhor filme e melhor roteiro
original, o roteirista e diretor Martin McDonagh impressiona com uma história
dramática e marcante desde o início.
Sinopse
Após sete meses sem
resultados nas investigações sobre o estupro e assassinato da sua filha,
Mildred Hayes (Frances McDormand) aluga três outdoors na estrada de sua pequena
cidade com uma mensagem controversa cobrando atitudes do chefe de policia Bill
Willoughby (Woody Harrelson), iniciando uma guerra contra o departamento de
polícia da pacata Ebbing e trazendo transtorno para os moradores e sua família.
Justiça ou vingança?
“Estuprada enquanto
morria”, “E ainda nenhuma prisão?”, “Como pode, chefe Willoughby?”. Essas eram
as mensagens que a durona Mildred Hayes estampou nos três outdoors abandonados
de uma estrada onde ninguém passa a menos que “esteja perdido ou seja idiota”.
Surpreendentemente isso foi mais que o suficiente para atrair a atenção da
pequena cidade e do departamento de polícia inteiro.
De inicio o que podemos
perceber é que Mildred está manifestando sua indignação com a incompetência da
polícia em resolver o caso e até nos identificamos facilmente com sua dor. Mas,
ao conhecermos melhor o chefe de polícia e escutarmos sua versão dos fatos, assim
como outros personagens, vemos que ele não é incompetente tampouco faz descaso
da dor de Mildred. O roteiro mostra que as coisas não são tão simples assim.
Nesse ponto, a luta de Mildred
se assemelha a outras histórias de vingança no cinema, como “Bravura Indômita”
ou os clássicos de ação em que, por vingança o protagonista mata todos os
vilões que a polícia nunca conseguiu chegar perto. Mas no caso de “Três anúncios
para um crime” é um tipo de vingança que se confunde com justiça ou o
contrário. De qualquer forma, Mildred é uma mãe que perdeu a filha e está desesperada
por respostas.
Arco de personagens
O que mais me encanta no
filme é em como os personagens são muito bem trabalhados e como eles se evoluem
ao longo do filme. McDonagh fez um trabalho cuidadoso em cada um deles de modo
que simpatizamos por todos com o passar do tempo. Assim como em “Crash”,
passamos a entender cada lado da trama e vemos os personagens se desenvolvendo,
abandonando o que havia de ruim neles ou se questionando de suas atitudes. Em
alguns momentos até desconfiamos que algum personagem fez algo ruim para depois
descobrirmos que não foi ele e sentirmos que devemos desculpas ao mesmo.
Cada personagem tem seu
arco dramático e sua subtrama muito bem desenvolvida. No início do filme, após
vermos os cartazes de Mildred logo torcemos para que aqueles policiais paguem
pela sua ineficiência. Quando conhecemos melhor Willoughby e ficamos cientes de
sua condição, quase nos juntamos ao resto da população de Ebbing acreditando
que Mildred foi longe demais.
Talvez o arco dramático
mais bem trabalhado seja o do oficial Dixon (Sam Rockwell). O policial protegido
de Willoughby que tem um histórico de violência e racismo, mas que, segundo o
chefe de polícia, é um bom homem. Odiamos ele quase que o filme inteiro, mas
quando McDonagh desenvolve o personagem de verdade, desejamos que ele se torne
um herói.
Os atores também merecem seu crédito nessa questão. Frances McDormand, Sam Rockwell e Woody Harrelson abraçam seus personagens e os encarnam muito bem nas telas do cinema.
Realidade de cidade pequena
Assim, em quase todos os
personagens há momentos em que os odiamos e outros em que sentimos compaixão
por eles. A dinâmica entre eles também contribui para entendermos melhor seus
sentimentos. Por ser uma cidade pequena, todos se conhecem, todos convivem uns
com os outros. Não estamos falando de inimigos aqui, mas de pessoas lidando umas
com as outras.
Willoughby e Mildred se
respeitam e convivem muito bem um com o outro, apesar dela estar acusando-o em
seus outdoors. Até mesmo Dixon se desenvolve com o tempo, pedindo perdão à
pessoas que, poucos dias atrás, ele jogava pela janela do segundo andar.
Toda essa relação entre os personagens faz com que aos eventos que encaminham a história para frente sejam feitos por base de ação e reação. Alguém toma alguma atitude e outra pessoa reagem perante aquilo, fazendo com que uma terceira pessoa reaja de outra forma e assim a história caminha.
É uma cidade pequena e como em toda cidade pequena, qualquer coisa que você fizer, todos irão saber. Se você incendiar uma delegacia, ao confessar alguém vai dizer “E quem mais poderia ter sido?”. Todos convivem uns com os outros e todos sabem da vida uns dos outros. Mas ninguém consegue descobrir quem estuprou e matou sua filha. E isso machuca Mildred.
É uma cidade pequena e como em toda cidade pequena, qualquer coisa que você fizer, todos irão saber. Se você incendiar uma delegacia, ao confessar alguém vai dizer “E quem mais poderia ter sido?”. Todos convivem uns com os outros e todos sabem da vida uns dos outros. Mas ninguém consegue descobrir quem estuprou e matou sua filha. E isso machuca Mildred.
Drama com humor
O roteiro de McDonagh é fantástico
ao construir um drama pesado e mesmo assim trabalhando em momentos leves. Apesar
do assunto polêmico do filme, o roteiro abre espaço para comentários cômicos
dos personagens e momentos engraçados sem escrachar demais nem perder a carga
dramática do filme. As cenas e comentários cômico são muito bem encaixadas e
combinam com a personalidade e dinâmica dos personagens.
Três anúncios para um
crime falam sobre estupro, assassinato, vingança, justiça, racismo, câncer,
suicídio, amor e ódio. Apesar da quantidade de temas, não é nem um pouco um
aglomerado de coisas sem sentido. Mas apesar de se tratar de um crime e de uma
mulher querendo justiça ou vingança, Três anúncios para um crime também é uma história
sobre pessoas de uma cidade pequena e como elas reagem quando suas pacatas
vidas saem da rotina.
Como não tenho a intenção
de me portar como imparcial, devo admitir que “Three billboards outside Ebbing,
Missouri” é meu favorito para ganhar o Oscar desse ano, já que me apaixonei pela
história nas dez primeiras páginas do roteiro. Como chamamos isso? Amor a
primeira lida?
E você? Para quem vai sua
torcida para o Oscar? Aconselho a todos assistirem Três anúncios para um crime,
que estreou nos cinemas nacionais na ultima Quinta-feira (15). Não se esqueçam
de me contar o que achou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário