Uma
coisa que eu quero, há tempos falar é sobre um dos melhores filmes nacionais
(quiçá um dos melhores filmes do mundo) que já assisti e me identifiquei.
Talvez você tenha algum preconceito ou simplesmente não goste de filmes
nacionais. Não vou julgá-lo por isso, afinal, somos tão bombardeados por
produções caríssimas hollwodianas cheias de técnicas e efeitos especiais que
nossos filmes parecem sem graça (apesar de serem bem interessantes). Mas os
roteiros dos filmes nacionais sempre me impressionaram e vale a pena abrir uma
exceção no gosto para “O palhaço” (2011), segundo longa dirigido por Selton
Mello.
O
filme conta a história de Benjamin (Selton Mello) e seu pai, Valdemar (Paulo
José) que formam a dupla de palhaços Pangaré e Puro Sangue em um circo que roda
pelo Brasil, alegrando e divertindo o público. Mas a vida está sem graça e
difícil, para Benjamin que pensa em abandonar o circo e seguir seu próprio
caminho. Toda a equipe do circo percebe essa aflição na vida de Benjamin o que,
em alguns momentos, acaba interferindo na performance da equipe e do próprio
Benjamin.
Análise da história
Atenção!
Se você nunca assistiu ao filme, esse texto pode conter spoilers indesejados.
Desde
o inicio do filme, percebe-se que a ideia principal é a falta de identidade do
protagonista e isso se mostra tanto internamente como em fatores e eventos
externos ao personagem. Uma das cenas iniciais mostra um policial pedindo a
documentação do circo para Benjamin, junto com sua própria carteira de
identidade. No entanto, a documentação do circo está atrasada e Benjamin não
tem carteira de identidade, apenas a certidão de nascimento. Isso é um paralelo visual ao seus conflitos
internos. Benjamin não sabe sua identidade e não sabe se realmente pertence ao
circo. Ele sente a necessidade de se encontrar de encontrar o lugar ao qual
pertence.
Logo
após primeiro espetáculo que vemos no filme, duas garotas se aproximam de
Benjamin, perguntando se ele conhece a cidade onde elas moram e convidando-o
para visitá-la. Uma delas aparenta gostar de Benjamin. A atuação de
Selton Mello é impressionante, demonstrando a depressão e desanimo do
personagem de tal forma que nem com as garotas ele se anima. Mas, ao mesmo
tempo que Benjamin deseja buscar sua identidade e lugar, ele não está disposto
a deixar o circo. Ele abre mão de si próprio pelo circo. Vemos isso quando ele
entra em sua barraca e encontra Lola, que lhe sugere comprar um ventilador.
Benjamin quer muito um ventilador, mas se recusa a comprar um, pois o circo não
dispõe de condições.
Logo,
temos um protagonista, em busca de sua identidade, depressivo, infeliz e que
não faz nada do que deseja nem busca o que deseja.
Além
dos conflitos internos do protagonista, há os conflitos externos que ele tem de
lidar: As finanças do circo estão ruins, principalmente por causa de Lola,
amante de Valdemar, que rouba parte do dinheiro do circo. O pai que se faz de
cego, perante isso e pouco parece se importar com o circo, deixando quase tudo
nas mãos de Benjamin. Os outros membros da equipe com dificuldades, devido às
economias.
Em
pouco tempo de filme, temos um protagonista e seu mundo muito bem apresentados,
juntamente com seus conflitos internos e externos. Tudo bem demonstrado através
de cada cena e diálogo. Um belo roteiro bem estruturado.
Logicamente,
os companheiros do circo percebem a crise pela qual Benjamin passa, incluindo
seu pai. A crise de Benjamin entra em seu ponto máximo quando ele apresenta um
espetáculo completamente bêbado, quase estragando o espetáculo inteiro se não
fosse pelos seus colegas. Benjamin decide então que está na hora de partir e
encontrar sua própria identidade.
Sozinho
e fora do circo, Benjamin procura a garota que conhecera no inicio do filme.
Ele passa a trabalhar em uma loja, tira sua carteira de identidade e finalmente
compra um ventilador para si. Isso mostra que Benjamin agora está encontrando
sua identidade, está pensando mais em si mesmo. E está encontrando seu lugar.
Essa é a parte da jornada do herói em que o mundo do herói se expande. Benjamin
conhece o mundo além do circo no qual cresceu.
Não
quero dar mais spoilers, principalmente contar o final. Mas posso dizer que me
emocionei muito com o final do filme (o que não é difícil, pois me emociono
fácil). O filme entra facilmente na minha top 100, provavelmente está entre os
top 10. Com certeza é um dos melhores filmes nacionais. A narrativa, mesmo
sendo um pouco lenta é excelente, com muitos fatores pequenos fazendo parte da
trama maior. Há alguns momentos engraçados, embora o filmes seja um drama. E
segue a ideia de “quem faz o palhaço rir?”
A
mensagem do filme é sobre a busca por uma identidade. Devemos sair da nossa
zona de conforto para buscar e conhecermos a nós mesmos. Muitas vezes essa é
uma atitude difícil, não pelo comodismo em si, mas pelas questões à nossa
volta: Não podemos simplesmente abandonar tudo. Assim como o circo dependia de
Benjamin, há muitos fatores à nossa volta que não podemos abrir mão, nos
tornado presos à nossas responsabilidade e, consequentemente infelizes.
A
frase “O rato come queijo, o gato bebe leite e eu sou palhaço”, repetida em
pontos cruciais da trama, nos mostra que cada individuo tem seu propósito e seu
objetivo. Assim como é comum que um rato coma queijo e um gato beba leite, um
palhaço tem seu objetivo de alegrar as pessoas. Se um rato come queijo e um gato
bebe leite, eu devo ser eu mesmo. Assim como o rato, e o gato, nós devemos
saber quem nós somos. Um rato que não sabe que é rato, pode acabar bebendo
leite, pensando que é gato. Muitas vezes estamos vivendo de um jeito que não
condiz com o que somos.
Por
muito tempo, eu nem sequer pensava em escrever ou em ganhar a vida como
escritor e roteirista. Mas, uma vez que encontrei minha identidade na escrita,
o mundo mudou completamente para mim. Eu me encontrei, sabia o que eu queria e
podia, finalmente ser eu mesmo. Um rato come queijo, um gato bebe leite. E eu
sou escritor.
Nem
sempre precisamos sair do nosso meio como Benjamin teve de sair do circo para
se encontrar. As vezes podemos mudar nossa rotina. Precisamos conhecer outros
meios de vida, assim como Benjamin precisou ser outras coisas além de palhaço a
fim de buscar sua identidade e seus sonhos. Talvez existam muitas
responsabilidades que dependam de você e que você precise transferir ou abrir
mão. Talvez existam coisas em sua vida que você tem que deixar para trás
(lembre-se que Benjamin deixou seu pai e seus companheiros para buscar a si
mesmo). Mas se você sente-se infeliz, pode ser por você não ter encontrado sua
identidade.
O
rato come queijo, o gato bebe leite... e você? Você é o que?
“O
palhaço” está disponível na Netflix e no telecine Play. Vale muito a pena
assistir.
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