google.com, pub-0226795176202024, DIRECT, f08c47fec0942fa0 Otelo - William Shakespeare - Marcos Bossolon

quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Otelo - William Shakespeare


Recebi o desafio do meu professor de teatro de analisar uma das melhores obras de William Shakespeare, Otelo. Mal sabia eu onde estava me metendo quando aceitei esse desafio. Afinal, quem sou eu para fazer uma análise crítica de Shakespeare? Antes de mais nada, é necessário esclarecermos que Otelo é uma tragédia, um gênero teatral que costuma ter um final trágico e acontecimentos fatais.



Sinopse

A peça conta a história de Otelo, um general militar negro servindo o reino de Veneza e recém-casado com Desdêmona. Após ver que Otelo promoveu Cássio ao posto de tenente, Iago, alferes de Otelo é tomado por inveja e trama um plano para destruir a vida de todos por vingança.


Temas que perduram por eras.

Robert McKee em “Story” dizia que uma boa história moldada em estereótipos se limita demais ao cenário em que se constituem, enquanto “histórias arquetípicas viajam” (MCKEE, Robert; 2006. p. 18). Ou seja, você pode até escrever algo que se passa no século XVII, mas o que vai garantir se sua obra transcenda as eras é a capacidade de usar o contexto histórico como matéria-prima para temas profundos, criando personagens únicos que o público encontrará sua própria humanidade neles independente da era.



Nesse ponto, Shakespeare era muito à frente de seu tempo, ou melhor dizendo, sabia trabalhar temas relevantes à todas as eras. Podemos garantir isso ao analisarmos os temas tratados em Otelo. A começar pela própria questão do racismo e xenofobia. Otelo é um ótimo general reconhecido e admirado por suas aventuras e conquistas. Porém, é insultado por Brabâncio quando este descobre que sua filha, Desdêmona se casou com o general mouro, chegando a afirmar que Otelo conquistou sua filha através de magia proibida referindo-se a ele como um animal. 

Outra questão que é apresentada na obra e temos refletido nos últimos dias é o sentimento de ciúme e possessividade em relacionamentos. Quando Otelo é convencido pelo vilão Iago de que sua mulher está traindo-o com seu tenente Cássio, o ciúme e a ideia de posse sobre Desdêmona o corrompe de tal modo que, com o decorrer da história, seus amigos (e os leitores) não o enxergam da mesma forma. A possessividade e a violência contra a própria mulher por causa de ciúmes são temas tão atuais que temos visto recentemente na mídia discussões sobre diversos crimes cometidos todos os anos no Brasil e no mundo.

Se, mesmo assim, os temas já citados não nos convencem de que Shakespeare estava à frente de seu tempo, talvez um diálogo específico entre Emília (esposa de Iago e serva de Desdêmona) e sua ama incentivando Desdêmona a não ser tão submissa ao marido possa convencer-nos. Ou mesmo na última cena do livro quando a serva é quem realmente desmascara o vilão ao se recusar abaixar a cabeça para o marido, revelando os planos de Iago. Pode ser que Emília não seja um dos maiores exemplos de discursos feministas na literatura, mas é admirável pensar que no ano de 1603 Shakespeare já apresentava um leve discurso feminista em suas obras.

O que surpreende é não apenas o fato desses temas transcenderem as eras, como também a maneira como Shakespeare traz esses temas à tona, alguns de modo mais sutil e outros mais nítidos, é inovador e criativo.




Vilão bem construído

Em toda a história o vilão é quase ou tão importante quanto o protagonista. Um vilão bem construído move a história para frente e se torna inesquecível. Em Otelo Shakespeare traz Iago, um vilão meticuloso e inteligente que sabe como manipular àqueles à sua volta. Na verdade, as habilidades de Iago foi o que mais me chamou a atenção na obra.

Suas artimanhas são tão bem construídas e elaboradas que em diversos momentos da história eu me sentia sufocado com a ideia de que ele estava prestes a conseguir tudo o que queria e ninguém desconfiava de sua índole. Pelo contrário, todos ainda o elogiavam como homem honrado, sem perceberem que caiam inocentemente em suas teias.

Iago sabe das fraquezas e forças de cada um de seus inimigos e usa isso a seu favor. Ele sabe o quão humilhante é para um general como Otelo se sua esposa o traísse com seu subordinado e consegue, com maestria plantar o ciúme no coração do mouro. Ele também sabe das fraquezas de Cássio com bebidas e astutamente consegue convencê-lo a beber mais a ponto de perder controle sobre si antes de mandar Rodrigo provoca-lo.

Além de tudo, Iago representa essa competitividade por reconhecimento em que somos brutalmente jogados. Competitividade esta que faz com que alguns sintam-se injustiçados quando outra pessoa recebe aquela promoção que julgamos merecer a nós. Iago acreditava ser mais merecedor do que Cássio do posto de tenente e este só conseguiu a promoção por ser mais amigo de Otelo.


Apresentação e aprofundamento dos personagens.


Em minha humilde opinião, Iago é tão importante nessa obra que é através de suas artimanhas que Shakespeare apresenta tanto as temáticas sociais que abordamos no subitem anterior como a personalidade e construção de suas personagens. Syd Field diz que o “personagem é o que ele faz” (FIELD, Syd; 1982. p. 56).  Através das situações colocadas por Iago em seu plano mirabolante Shakespeare revela traços de seus personagens.





De primeira vista, por exemplo, julgamos Cássio como um homem que trata bem as mulheres pelo modo como ele trata Desdêmona. Mas a maneira como ele fala sobre Bianca para Iago revela que ele trata está de maneira fútil, prometendo casar-se com ela sendo que tudo que procurava era sexo. Iago sabe desse traço ambíguo em sua personalidade e usa isso para que Cássio cante vantagem sobre Bianca de modo que pareça, para Otelo, de que falavam de Desdêmona.

É através das situações que Shakespeare coloca à prova os sentimentos mais íntimos de seus personagens. Otelo não parece nem um pouco ciumento ou possessivo quando o vemos jurando amor à Desdêmona. Mas Iago traz a público esses sentimentos no general ao plantar nele a semente da dúvida. E a maneira como ele faz isso é um truque de mestre. Ao invés de simplesmente dizer à Otelo que sua mulher está traindo-o cm seu melhor amigo e oficial subordinado ele faz apenas um comentário quando vê os dois juntos: “Isso não está me cheirando bem”. Isso é o suficiente para criar em Otelo a ideia de que existe algo que Iago sabe e não pode contar.

Uma reflexão do íntimo do ser humano

Uma obra deve explorar o íntimo do ser humano de forma crítica. Provavelmente o que torna Otelo uma obra prima que transcende a história é o fato de que ele não conta uma história que acontece no ano de 1603, mas sim utiliza desse cenário para trazer reflexões sobre o íntimo de todo ser humano.

A partir do momento em que o ciúme nasce no coração de Otelo, o general torna-se incapaz de ver as atitudes de sua esposa de outra maneira senão como alguém que o trai. O simples fato dela ter perdido o lenço que ele deu a ela (lenço que ele mesmo havia jogado no chão anteriormente) faz com que ele acredite que ela deu o lenço para outro homem. E não é assim quando alguém tem ciúmes? Enxergamos coisa onde não tem. Caçamos pelo em ovo.

Para um homem tão importante como Otelo, o orgulho é também um ponto fraco. Seria inadmissível um homem tão poderoso ser traído pela esposa e seu subordinado. O ciúme e o orgulho nos corrompem de tal forma que nos tornamos agressivos e possessivos, causando mal aos outros à nossa volta.

Há muito mais que poderíamos falar dessa obra se a analisarmos mais profundamente. Shakespeare consegue fugir dos clichês não apenas no modo como aborda temas relevantes até hoje na sociedade, mas também em como ele coloca essas discussões na história. A maneira como ele revela características de seus personagens torna a história cada vez mais surpreendente. O vilão Iago é tão bem trabalhado que provavelmente tomarei como referência daqui para frente. A trama é trabalhada de tal forma que, como leitores, ficamos envolvidos com os personagens com um leve sentimento de impotência por vê-los caindo nas armadilhas do vilão sem podermos fazer nada.
Não duvido nada se a cada releitura dessa obra, aprendêssemos algo novo sobre sotrytelling ou sobre o ser-humano em si. 



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