google.com, pub-0226795176202024, DIRECT, f08c47fec0942fa0 O caso de Marcela Tavares e o preconceito linguistico - Marcos Bossolon

sexta-feira, 7 de abril de 2017

O caso de Marcela Tavares e o preconceito linguistico

Nos últimos dias apareceram diversos textos e videos criticando a humorista Marcela Tavares por seus vídeos em que ela “ensina” português gritando.





Quase todos os textos e vídeos falam a mesma coisa. Que os vídeos que ela faz são preconceitos linguísticos. Não vou redigir aqui os argumentos levantados, ao invés disso acho melhor você conferir por si mesmo o vídeo da Ana de Cesaro sobre o assunto. Deixarei aqui, então o meu parecer em relação aos vídeos da Marcela Tavares (tentarei ser o mais respeitoso que conseguir) e minha experiência com preconceito linguístico.
Em primeiro lugar, oque percebo vendo esses videos da Marcela e vendo quem compartilha é que ela não faz nem é intenção da Marcela de ensinar ou conscientizar quem não sabe ler. Ela é comediante e ela faz na intenção mesmo de fazer piada com quem fala errado. Os videos dela não são para ensinar quem fala “errado”, mas para divertir quem fala “corretamente”. Tanto que as pessoas que mais vejo compartilhando são pessoas que não falam/escrevem errado. Eu, particularmente não concordo nem se a intenção é ensinar nem se a intenção é divertir. Acho que menosprezar/humilhar os outros para ser engraçado não é engraçado. Mas enfim. Tem quem goste muito e ri muito.
Sendo humor ou não, isso não deixa de levantar a discussão sobre o preconceito linguístico. Sim, isso existe. Eu também já cometi. De fato, para algumas pessoas (pelo menos para mim) é estranho quando alguém troca o “mas” pelo “mais”. Ou quando digita “Noiz” ao invés de “Nós”. Mas eu tive acesoa muita leitura. Além disso, como escritor eu tento sempre melhorar minha gramática. E, exatamente por isso eu já cometi preconceito linguístico.
Por ter o sonho de ser escritor e roteirista, eu participo de vários grupos de escritores e roteirista no facebook. E, claro, também tenho uma conta no Wattpad. Nesses grupos (principalmente no Wattpad Brasil) já tivemos muitas, mas muitas discussões sobre pessoas que escrevem errado. Isso por que o wattpad é uma plataforma em que qualquer um pode criar uma conta e escrever uma história. E vários adolescentes escrevem seus livros la. Consequentemente muitos livros com erros de português acabam pegando milhares de visualizações. Isso faz com que outros autores que dominam melhor o português fiquem frustrados, já que suas histórias não recebem nem metade das visualizações. Mas o wattpad será tema de outro post.
Em todas essas discussões eu sempre percebi que esse tipo de atitude da Marcela Tavares é uma forma errada de abordar o tema e ao invés de incentivar alguém, pode acabar destruindo a vontade de alguém de querer escrever (vontade que com o tempo consequentemente leva apessoa a melhorar na escrita também). Não se ensina alguém humilhando-o. Raramente alguém consegue aprender quando se sente ofendido.
Mesmo que erros como trocar o “mas” pelo “mais”, falar/escrever “mim ajuda” chegam a ferir nossos ouvidos, a maneira como abordamos esses casos acabam resultando em preconceito linguístico. Somos seres intolerantes e poucas vezes observamos como o outro ser vive ou vê o mundo. Enquanto que, para mim, esses erros prejudicam a leitura, para outros é normal. Lembra que eu disse que no wattpad histórias com erros gramaticais fazem sucesso? Pois bem, essa é a plataforma que muitos adolescentes que ainda não dominam o português “correto” utilizam para ler. Muitos dos leitores do wattpad tem pouca experiência como leitor ainda. O senso critico é completamente diferente.
Existem inúmeros fatores que contribuem na linguagem de alguém. E nem precisamos falar do tamanho continental que o brasil tem para isso. Basta analisarmos pessoas de bairros diferentes de uma mesma cidade. A linguagem utilizada por alguém de bairro nobre é, em muitos casos, bem diferente da linguagem de alguém da região periférica e marginalizada, por exemplo. Mas cada grupo de pessoas tem sua própria maneira de dialogar, de formar palavras e se comunicar. Vivemos em uma era onde pessoas se comunicam por emoticons de whatsapp e se entendem perfeitamente (coisa que para mim parece um código secreto). Enquanto em muitos lugares, dizemos: “Passa la em casa para tomarmos uma cerveja” e parece ser bem compreendido, em outros a mesma frase ficaria “Passa na minha goma pra toma uma ceva” e é igualmente compreendida pelo receptor da mensagem.
Diferentes linguagens, diferentes meios de comunicação em diferentes realidades. Por mais que o modo como alguém fala é errado para alguns, não sabemos de como foi a formação e a realidade da pessoa ou o contato dela com a linguagem. Portanto, corrigir histericamente como se a pessoa fosse idiota por não compreender algo que para você é muito simples, só mostra que você não está nem um pouco interessado no conhecimento da pessoa, mas em demonstrar o SEU conhecimento e SUA superioridade.
Lembro de quando eu fazia monitoria numa escola de inglês apareceu um homem que não sabia escrever nem alar direito. Eu tive que dar uma prova de recuperação para ele. No campo “Name” onde ele deveria escrever seu nome ele escreveu “Mai name is Fulano de tal”. Confesso que na hora fiquei até com dó do rapaz. Ele não poderia ser aprovado com aquilo. Mostrei o caso para a professora dele e ela me olhou com olhos arregalados: “O que você fez? Como você ensinou ele?”. Eu disse que não fiz nada. Ela, toda feliz disse “Ele nunca escreveu a palavra ‘name’ corretamente, era sempre ‘neime’!”. Enquanto para mim, parecia um fracasso o rapaz errar a maoria das palavras e ter escrito “my name is” num campo onde qualquer um teria entendido que era só para escrever o nome. Para aquele homem, o fato dele ter escrito “name” corretamente é considerado um sucesso.
Para finalizar, gostaria de recomendar o livro “Preciosa” da escritora Sapphire. Sim, existe o filme, mas leiam o livro. Preciosa é uma garota negra, obesa e analfabeta que mora num bairro pobre e sua jornada para aprender a ler. A história é narrada pela própria preciosa, e por isso possui diversos erros gramaticais, sentenças mal formuladas e pontuação completamente errada. E isso é proposital, pois o livro é narrado por uma analfabeta. Durante a narrativa, por exemplo, é muito comum ler que o filho de Preciosa tem “Sindro de dou”. No inicio você pode pensar que foi erro da edição, mas quando um personagem mais letrado fala sobre o filho dela eles usam a palavra “síndrome de down”. Isso mostra que não foi erro. A preciosa é que não sabe falar corretamente a palavra.
No inicio, o livro pode ser difícil de compreender. Você vai se atentar aos erros gramaticais, à péssima pontuação, pronuncias erradas… Vai ser meio sofrido. Mas ao longo do caminho você vai se acostumando tanto com aquela leitura, que passa a compreendê-la perfeitamente. Estranho, não? É como se NÓS estivéssemos aprendendo a linguagem da preciosa. É através da história da Preciosa e da luta dela que percebemos o quão somos ridículos por nossos preconceitos linguísticos. Se no começo reclamávamos para nós mesmos dos erros constantes no livro. No final compreendemos o quão doloroso foi para a Preciosa aprender a escrever, mesmo que errado. E o quão vitorioso e importante é ela escrever daquele jeito, visto que, no inicio de sua jornada ela não conseguia nem ler a frase “um dia na praia”.
Preciosa me mostrou que existem diferentes realidades e diferentes linguagens. Aprendi a ver os preconceitos linguísticos em mim mesmo e não julgar o outro pelo seu jeito de falar ou escrever. Em muitos casos, só o fato daquela pessoa escrever “noiz” ja é uma grande vitória. Afinal, é melhor alguém que fala/escreve “noiz” do que essa pessoa ter desistido muito antes e não sber escrever nem isso. Enquanto para nós é ridículo alguém dizer “mim ajuda” para essa pessoa, o fato de ter aprendido isso é uma grande vitoria. E em algum lugar do mundo devem existir pessoas que adorariam saber escrever qualquer coisa. Mesmo que seja errado.
Minha mensagem é essa: Paremos de julgar, humilhar ou destratar alguém pelo fato dela escrever/falar errado. E no resto… “É noiz que ta.”

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